sábado, outubro 24, 2009

LAGVO BOLONHA

LAGO BOLONHA - PARQUE AMBIENTAL DO UTINGA

RIO CAPIM - PARÁ


MURO DE BERLIM 20 ANOS DEPOIS


Para os historiadores, 20 anos não é muito tempo. Na verdade, não são nada. Mas são tempo suficiente, por exemplo, para Lula virar "o cara'' após disputar cinco eleições presidenciais, tendo perdido as três primeiras. E é tempo suficiente para o comunismo se ver de novo na "moda" no lugar em que ele foi mais escandalosamente banido. Se a grande imagem de 1989 foram milhares de pessoas trepadas num muro, derrubando-o, a de 2009, em Berlim, é, na falta de um muro melhor, a de turistas andando de Trabant, a carroça que os socialistas alemães daquele tempo chamavam orgulhosamente de carro. Camaradas, regozijai-vos! Berlim, guardadas as proporções, é novamente vermelha.


Muita gente gostaria de esquecer aqueles tempos conturbados entre 1961 e 9 de novembro de 1989, quando o Muro de Berlim esteve de pé, dividindo simbólica e ideologicamente o mundo e oprimindo o povo de uma cidade. Mas há uma corrente cada vez mais forte na Alemanha que quer manter viva a memória dos tempos da República Democrática Alemã (DDR). Hoje há lá uma "ostalgie" - jogo de palavras entre ost ("leste", em alemão) e nostalgie ("nostalgia") - que revela um afeto insuspeito pelo cotidiano daqueles dias. E isso vem atraindo cada vez mais turistas a Berlim.

E há o que conhecer. Por mais irônico que possa parecer, há gente ganhando muito dinheiro com a memória desses tempos. Como a dupla Daniel Helbig e Guido Sand. Os dois amigos, crianças durante os tempos da divisão alemã, inauguraram, em 2007, o Ostel. Mistura de ost com hostel, é um albergue temático, decorado com mobília e eletrodomésticos originais da época. A recepção do lugar é coisa de profissionais. Perto da foto do ex-premiê alemão-oriental Erich Honecker ficam os relógios que marcam, ou marcavam, as horas em Havana, Berlim, Moscou e Pequim. E também a televisão pé-de-palito que exibe sem trégua a visita de Fidel Castro à capital alemã-oriental, em 1972.

"Começamos com 74 camas, e hoje já são 175. Posso dizer que vivo graças a esse culto à Alemanha Oriental", diz Helbig. Em 2008, a dupla foi mais longe e inaugurou o Museum für DDR-Kunst, dedicado totalmente à arte produzida ali entre 1949 e 1989. São mais de 140 pinturas e esculturas, tanto obras oficiais quanto as de oposição ao regime. "Na busca pelos móveis, descobrimos que havia muitas dessas obras das quais as pessoas queriam se livrar", diz Helbig. "Reunir tudo foi muito fácil."

Muito da inspiração para a ostalgie vem do filme Adeus, Lenin!, de 2003, em que o personagem adolescente Alexander Kerne (Daniel Brühl) faz o diabo para esconder da mãe que o regime havia acabado. A mãe, socialista fervorosa, sofre um ataque cardíaco e fica em coma por oito meses, sem saber dos fatos espetaculares de então. Em sua pantomima Alex sofre para conseguir produtos dos tempos da DDR, como pepinos em conserva da marca Spreewald ou café Mocca Fix Gold. O engraçado é que, se a mãe de Alex acordasse do coma por estes dias, seu filho teria muito menos trabalho. Para conseguir os tais pepinos Spreewald, não há problema algum. Bebidas típicas da época com rótulos idênticos? Acham-se. E pode-se até alugar um Trabant, o carro-símbolo da Alemanha Oriental.

O ponto de partida para essa imersão na Berlim comunista é a Alexanderplatz. É verdade, naquele tempo seria impensável um Burger King ao lado da gigante dos eletroeletrônicos Saturn. Mesmo assim, a praça, batizada em homenagem ao czar russo Alexandre I, o homem que derrotou Napoleão, conserva intactos alguns dos maiores símbolos da Berlim Oriental. Ainda estão na praça dois dos mais altos edifícios da cidade: o luxuoso hotel Park Inn e a gigantesca Fernsehturm, a Torre de TV. Com 368 metros de altura, a "teleaspargo", como era chamada, é notada de qualquer canto. Essa era, aliás, a intenção quando foi construída, em 1969: mostrar a grandeza do regime aos vizinhos do outro lado do muro. Além dos dois gigantes, a Alexanderplatz tem também o Relógio do Mundo, construção de 5 metros de altura que exibe simultaneamente a hora exata nas principais cidades do planeta.

Do outro lado da estação de S-Bahn (o metrô de superfície), na base da Torre de TV, uma continuação da praça revela o que antes era o centro do governo durante o período da divisão. Daquela época resta pouco ali. O Palast der Republik, sede do Parlamento Oriental, foi demolido sob protestos, e sua área logo dará lugar à reconstrução do Castelo de Berlim, destruído durante a Segunda Guerra Mundial. À sua frente, entretanto, seguem firmes as estátuas da dupla Karl Marx e Friedrich Engels, os autores do Manifesto Comunista.

Na Liebknecht Strasse, três atrações imperdíveis para os "ostálgicos". No 1º andar do número 13, dentro de um shopping chamado Berlin Carré, está o Ostpaket. É um mercadinho de decoração simples em que é possível encontrar uma infinidade de produtos típicos do dia a dia de uma família dos tempos socialistas. Como os pepinos de Adeus, Lenin! (custam € 1,70). De volta à rua, no número 5, há uma Ampelmann Shop, loja oficial do bonequinho dos faróis de pedestres - trademark alemão-oriental que usa chapéu largo e é prejudicado verticalmente. Ali é possível comprar de forma de gelo a roupão de banho com a rara figura em vermelho, de braços abertos, ou em verde, caminhando.

Perto da ponte sobre o Rio Spree que leva à Ilha dos Museus há uma escadinha. Ali, no número 1 da Liebknecht Strasse, está o DDR Museum. Ele mostra o cotidiano dos alemães-orientais, num esquema didático, com artigos de decoração, utensílios de cozinha e roupas. O espaço é pequeno, e a visita não costuma demorar mais que uma hora. Mais impactante é o Haus am Checkpoint Charlie. Junto à réplica do posto militar que funcionava na divisa entre os setores americano e soviético da Berlim dividida (o Checkpoint Charlie), o museu conta a história do muro e, principalmente, dos que tentaram cruzá-lo para o lado ocidental. Houve tentativas de balão, avião, de Trabant, de submarino, de asa-delta, dentro de mala. Cerca de 200 pessoas morreram nessas empreitadas. Antes ou depois da visita, inevitável tirar uma foto na frente da casinha ou embaixo da placa com os dizeres "Você está deixando o setor americano" em inglês, russo, francês e alemão.

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Por: Carlos Eduardo Freitas
Foto: Carlos Eduardo Freitas



Publicado em 10/2009